quarta-feira, 2 de abril de 2008

O caso Sonae e o dever de informar

A Sonae SGPS resolveu este ano inovar na apresentação das suas contas de 2007. Os factos são estes:


  1. Fez um evento designado "Sonae Circle" no qual apenas se poderia entrar por convite. Para o acontecimento foram convidados analistas, gestores, fornecedores e accionistas.
  2. Os jornalistas só poderiam entrar se tivessem convite. Foram convidados apenas jornalistas com cargos de direcção ou edição que podiam fazer perguntas. A regra geral nas empresas, cotadas em bolsa ou não, é informarem a data e hora da conferência de imprensa de apresentação de resultados cabendo à edição do jornal designar o jornalista que lá vai, em regra o que acompanha o tema.
  3. Toda a informação sobre as contas do grupo Sonae foram disponibilizadas no site "Sonae Circle" assim como, obviamente e como a lei exige, no site da Comissão de Mercados de Valores Mobiliários.
  4. Os quatro gestores do grupo concederam uma entrevista a um dos subdirectores do Diário Económico colocada em vídeo no "Sonae Circle". Podia-se ver como uma das identificações: "Entrevista 'powered' por Diário Económico". No dia seguinte a entrevista foi publicada no Diário Económico.

Descrevo estes acontecimentos fundamentalmente porque gostaria de debater o que se passou. Faço desde já uma declaração de interesses: além de leccionar na Lusófona assumo neste momento funções de subdirectora no Jornal de Negócios.

Desde já faço os seguintes comentários ao caso na perspectiva do jornalista:

  1. Os leitores em geral e os accionistas, fornecedores, clientes e trabalhadores do grupo Sonae ficaram a perder porque não estiveram presentes na reunião - não se pode designar como conferência de imprensa - os jornalistas que seguem o grupo. A Sonae não foi, em princípio, confrontada com perguntas que poderiam ser incómodas. (Não me pronuncio na perspectiva da comunicação nem da lei que regula o mercado de capitais, nomeadamente no que diz respeito a exigências de informação)
  2. O que deve fazer um jornalista, editor ou director numa situação destas? Um exercício possível é pensar no jornalismo em geral e não no jornalismo especializado. Na pureza dos princípios não devem ser os protagonistas das notícias a escolher o jornalista mas sim o meio de comunicação. Mas assim sendo, não deveria ir ninguém ao evento? Pois não sei. Uma decisão drástica como essa ainda prejudicava mais os leitores.

E fico por aqui.

Espero que este tema seja suficientemente convidativo para o debatermos.

1 comentário:

Carla Rodrigues Cardoso disse...

Helena, quando os protagonistas resolvem definir o enquadramento da notícia, sem respeito pelo trabalho do jornalista e com um desconhecimento profundo das rotinas de produção de uma redacção... Nem sei que diga! A não ser uma coisa: o jornalismo responsável torna-se cada vez mais árduo.